O PRÍNCIPE E A FIGUEIRA
A calmaria da noite deslizava lentamente pelo tempo, trazendo o esplendor da unânime beleza dos longos e verdes campos do vale de Bolônia, clareados pelas três luas que compunham seu sistema. Sentado e recostado na velha Figueira, admirava os céus maculados, mas lembranças corriam pela memória de um príncipe malgradado, pela intensa luta contra as guerras oriundas da selvageria da alma humana. Em lúgubre pensamento, murmurava:
- O homem doente esqueceu-se do encanto da vida. Corre em suas veias a tolice do poder, que o cega, que o infelicita, que o torna tão animal quanto às feras soltas em florestas. Sim, animal-canibal, que rouba seu semelhante, que os mata e devora antes mesmo do pedido de clemência. Ah! Se a bondade inflasse a sua alma, lutaríamos por um reino mais justo, semeando a felicidade que colheríamos em seguida. – longa pausa fez, antes de concluir – Homem tolo, sem escrúpulos!
Olhava vagamente para o breu como se buscasse algo que não podia ter naquele momento. Suas mãos afagavam a terra preta e as raízes da robusta e gigantesca Figueira. Contemplava a tão exuberante espécie e inspirado por sentimento desconhecido disse ao vento:
- É tão poderosa a natureza, suas formas bem esculpidas pelo Senhor das criações. A intensidade das cores, a proficiência da lindeza, a sensibilidade das linhas que desenham os traços bem marcados da divina Mãe Natureza, a beldade das beldades que nos enlaça com seu aroma celeste e nos faz invariavelmente crer que a vida existe e que ela não é uma realidade paralela ao nada.
Neste momento, ouvi-se pequeno riso de tom agudo, vindo do alto da Figueira. Num primeiro instante o príncipe pensa serem os sons da agradável natureza, porém ao se repetir, olha em direção a copa da árvore e deslumbra-se com a visão de La femme mais linda que já vira na vida, mais bela que todas as rainhas e princesas de todos os reinos do norte e do sul juntas. Como num passe de mágica, como que se teletransportada, a donzela ainda desconhecida aparece em frente ao príncipe e com sorriso misterioso o cumprimenta como somente a mais educada lady poderia fazer. Trajada com um vestido simples e sem estampas, longo, de um branco translúcido tal como as três luas faziam com o céu à noite, chamou à atenção do príncipe que embasbacado com a primorosa dama somente o fez assentir com a cabeça.
A formosura encadeada pelos longos cabelos loiros encaracolados que transpunham a realidade conferia aspecto solene à musa embevecida de beleza singular. Sua tez esbranquiçada, iluminada pela luz da sétima estrela do sul, a fazia única entre tudo de mais bonito. Seus olhos claros, em tom de violeta, encadeavam voraz paixão a todo mortal que se atrevesse a olhar no profundo de sua pupila, sua boca carnuda em lábios rosados lhe entregavam sua forma de irresistível apreciação. Seu corpo aviolado, tão esculpido e bem feito quanto à natureza. Seus seios arredondados, espremidos pelo vestido, não a vulgarizavam, somente a deixavam mais esbelta. Era como se um anjo descesse do alto dos céus trazendo a perfeição una da beleza divina.
Em total silêncio, sem esboçar reação, o príncipe fitou a jovem dama por inteiro. Empalideceu-se. Enrubesceu-se. Em total espanto, fitou-a novamente, desta vez, porém, verificando-a por inteiro. Sim, era a ninfa serene de suas visões que o visitava pela primeira vez. Indescritível o era a sensação que tomava o espaço, enternecido pela emoção, dirigiu a palavra à dama de branco:
- Tanto esperei pela sua chegada... – após breve suspiro, o príncipe continuou – Lembro-me da primeira vez que a vi em meus sonhos, fora também à primeira vez que despertara o amor em mim. E pensava quando teria a terne oportunidade de conhecer meu amor, repetia versos e maquinava meus dizeres para que quando nos encontrássemos o silêncio não se fizesse presente. – Após longa pausa o príncipe concluiu – Os versos bonitos se esvaíram, pois não chegariam ao merecimento de sua formosura, os dizeres me foram esquecidos no momento que a vi. Resta me apresentar conforme manda o protocolo: Sioux Savanam, príncipe do reino de Bolônia.
- Farrah Di Vita, é um grande prazer conhecer pessoalmente vossa alteza, – disse a jovem donzela, ainda corada por tantos elogios concebidos a ela – também sinto em profundo sentimento que nosso encontro se fazia marcado por destino tão feliz e, por favor, perdoe se interrompo seus pensamentos, mas encantei-me com sua filosofia tão triste e realista. Remontam ideias utópicas onde o homem faz de sua morada reino de passividade e bondade. Deve ter passado por grandes tristezas para visualizar seu igual de forma cruel, insípida, de certa forma a desacreditar em seu sonho.
Após as singelas palavras da doce Farrah, passa pela mente de Sioux, o porquê de seus pensamentos...
“Bolônia era uma província pacífica quando o príncipe ainda era criança, seu avô era rei justo e fez seu reinado para seus súditos. Nunca houve melhor governante para os moradores do reino, a paz e a tranquilidade eram presentes a todo o momento trazendo o ar de sua graça. Após a morte do governante, o luto se estabelecera no local durante um ano assim como mandavam as convenções, neste tempo de grande tristeza somente um ser se encontrava em imensa felicidade, Marvolo Savanam, pai de Sioux, próximo na lista de sucessão ao trono de Bolônia. Este não possuía as mesmas idealizações do antigo governante, habitado por ganância extrema, avareza e soberba, conduzira o reino a um estado pútrido, quando fez dele um grande buraco de caça a diamantes. A felicidade já não mais reinava na população, uma vez que eram obrigados ao trabalho compulsório nas minas para o enriquecimento de um governante tirano. Sioux nunca aceitara o comportamento insano de seu pai, mas não continha forças suficientes para dar fim à tortura de seu povo, sendo obrigado a concretizar as ideias fétidas de Marvolo.
Conforme passava o tempo, aumentava a ganância do rei, que além da ideia de província mineradora, agora também queria se tornar dono da maior economia do planeta. Foi quando começou a ter ideias de expansão territorial, para angariar recursos para tal feito. Montou exércitos, criou sua armada pessoal e impôs sua vontade em primeiro plano, sem pensar em outrem. Com imensa tristeza a rainha, mãe de Sioux falecera, o que dera mais força a Marvolo que agora, além de querer mais poder, queria que o mundo pagasse por sua perda.
A armada de Bolônia contava com infantaria de oitocentos mil homens e para tanto era necessário um general de total confiança do rei, seu escolhido fora Sioux, que rejeitou a oferta, porém, sendo obrigado posteriormente, fora posto a contragosto...”
A intensidade com que as lembranças corriam pela mente do príncipe assombraram-no. Depois de inspirar grande quantidade de ar para segurar as emoções e da vil lágrima escorrer-lhe face abaixo, olhou ternamente para Farrah e concordou com sua afirmação:
- Realmente, passei por muitos pesadelos, graças à insensatez do homem, mas também graças à exposição deles em minha vida desenvolvi sentimentos contrários aos infraternos corrosivos da humanidade. Veja por exemplo esta Figueira, apesar da longa idade que nota-se nitidamente, cumpriu seu papel na natureza, de acordo com sua missão, não tomou o espaço de outrem, pelo contrário serviu de casa aos pobres pássaros que procuravam bom lar; deu frutos ao viajor que necessitava de comida; abrigou da chuva tantos casais de namorados, que diante dela repetiram votos de fiel amor. Se a humanidade fosse pouco mais igual a ela, seriamos então como toda a natureza, cresceríamos sempre, não importando as barreiras em nosso caminho.
A linda musa somente fez concordar com o príncipe. Reparou que os olhos dele brilhavam quando se discorria sobre suas visões de um mundo melhor. Sua ideologia era fascinante, sua pureza de pensamentos iluminava-no por inteiro.
Farrah sentiu-se enternecida pelo bom coração do príncipe, guerreiro dos indefesos, além de completamente atraída por beleza indescritível.
Sentou-se ao lado de Sioux e entre olhares místicos, irrequietos, percebeu que os dois sentiam sentimento nobre, onde o coração pulsava de forma rápida, quase como máquina, quase infinita, com toda certeza amor.
A mão frágil da moça corre pela face do príncipe dos sonhos vagarosamente. Rompe a camisa dele com suas unhas. Entristece-se com as tantas feridas abertas que vê. Acaricia os machucados, como se tentasse curá-los, tão logo estava a chorar comovidamente:
- Perdão Sioux, sinto ter que fazê-lo... Por que foi à guerra que tanto repele? Por que deixou se ferir pela lâmina de espadas impregnadas de ódio? Por quê? Por quê? ... – exclamou Farrah, entre soluços sentidos.
Mais memórias passam pela mente do príncipe de Bolônia...
“A armada do rei tirano parte para Tormida de Vanoun, reino de riquezas inestimáveis; os guerreiros munidos de todos os tipos de armas brancas inspiravam-se com a visão imunda que tinham do saque referido como ‘Invasão dos Sem Lei’, fazendo referência à forma impiedosa e sem compaixão com que o rei mandara o exército agir. Ao chegarem ao local da invasão, encontram-se com a tropa inimiga, um aglomerado gigantesco que atingia o assombroso milhão.
Começa uma guerra irracional, impiedosa, repleta de sangue e ódio; espadas rompiam o sacro corpo de seres iguais aos que as empunhavam; crianças eram usadas de escudo para indivíduos de alma pútrida; Sioux, em meio a toda confusão, fez berrar razão para tentar terminar a loucura estabelecida, porém, de nada adiantara. Correu em meio a gládios, buscou pela fé para tocar o coração das pessoas que não lhe deram atenção. Ao ver jovem moça ser morta pelas mãos de tiranos sanguinários, corre a luta de esgrima, sem sucesso, é atingido diversas vezes pelas lâminas, que infringiram cortes profundos na morada de seu espírito. Em estado lastimável, sem mais poder fazer nada, sentiu o corpo lhe pesar, seus membros falhavam, cambaleando, fugira, embrenhando-se na densa floresta que cercava o reino invadido. Já longe de todo o combate, sentou e recostou em velha e gigantesca Figueira...”
Sioux observa Farrah em prantos, e já sem forças diz que é grato a vida e aos Céus por ter a conhecido. Neste momento, a musa encantadora mantém seu olhar fixo no olhar do príncipe, e discorre sobre os motivos que a fizeram ir ao seu encontro:
- A vida vos é dada pelo amor que pulsa e impulsiona a humanidade, e assim como tudo chega o momento de seu fim. Sioux, eu marco o fim do que começou, cresceu, amadureceu e no término da jornada morre, essa é a minha função príncipe dos homens, sou a ceifeira da reação da paixão, sou a transformação e evolução, sou o ponto que dá fim, mas além de tudo, sou o ponto que possibilita nova frase... Sim Sioux, eu sou a morte e vim com o intuito de dar fim a sua agonia...
Lágrimas correm brandamente pelo rosto dos dois apaixonados, ele a vida que age, que fortifica, a razão, a concretização; ela a transformação, a emoção... Farrah inclina a cabeça levemente à procura dos lábios do príncipe. Em beijo terno, explodiam sentimentos, ardia o amor; o coração dele acelera como se jorrasse pela última vez a carga da vida pelo seu corpo, logo desacelera por completo, sentiu frio intenso, tudo ficou branco, logo não vira mais nada...
Enfim, o beijo da morte encerra o sublime ato da vida, dando continuidade ao tempo corrido; o corpo, quieto, permanecera calado, desfalecido a frente da gigante Figueira, única testemunha da terne filosofia do príncipe dos homens; do amor entre Farrah, à bela ceifeira e Sioux, o jovem de linda utopia. Tudo ficou mudo, somente a grandiosa Figueira banhava em ladainhas a alma do príncipe, quando o vento passava pelas suas folhas e galhos, alma esta, que ascendia em direção aos Céus maculados de bênçãos que brindavam sua chegada, ao lado de sua amada, a bela e doce Farrah.